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quinta-feira, 22 de abril de 2010

PREVISÃO DE DOM BOSCO – BRASILIA 50 ANOS!!

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Uberaba e a Profecia de D. Bosco

I – Introdução

Como os mitos se formam e qual foi o papel de Uberaba na montagem do mito do sonho de D. Bosco sobre a criação de Brasília é o que se propõe a discutir esse artigo.

Os que trabalham com o simbólico devem ter o máximo cuidado para não resvalarem para o campo da mistificação e da superstição na sua ânsia de cavalgar a história das mentalidades.

É bem conhecido o caso da do soldado que vigiava um banco de jardim num quartel na década de 50. Anos depois, o oficial que iria comandar o referido quartel questionou o porquê daquele soldado plantado dia e noite ao lado do banco, com a ordem impeditiva de qualquer pessoa sentar-se. Ninguém lhe deu uma resposta satisfatória, pois o máximo que alegavam é que sempre tinha sido assim: aquele soldado estava ali há décadas com o fito de fazer cumprir a ordem estapafúrdica. Intrigado o referido oficial resolveu fazer uma pesquisa e descobriu que tal soldado estava plantado ao lado do banco desde a década de 50. Compulsada os alfarrábios da época, descobriu que tal praxe foi iniciada no comando de um oficial que era, hoje, um general reformado e muito amigo do seu pai. Entrou em contato com o general e questionou o porquê da referida ordem. Compulsando a memória o velho general aos poucos foi recordando. “Ah! Meu filho, tudo começou quando íamos receber a visita do Ministro da Guerra. Horas antes da chegado do Ministro, fui dar uma última olhada no quartel para ver como estavam os preparativos de recepção. Para meu espanto, descobri que o banco do jardim estava imundo e descascado. Dei então a ordem: raspem imediatamente o banco, passem uma mão de tinta branca e ponham uma sentinela para que ninguém se sentasse nesse banco. Pouco tempo depois fui transferido e acho que esqueceram de revogar a ordem desde então!”

Muitos mitos e lendas se formam por uma determinada razão e com o tempo as pessoas perdem a memória do que realmente aconteceu. Criam-se então versões que tentam explicar o ocorrido que vão passando de pai para filho daí em diante.

II – Os Goianos Mineiramente Jantam os Mineiros

Vamos, nesse artigo, relatar o que realmente aconteceu com a versão (mitológica) da profecia de D. Bosco sobre Brasília. A pesquisa do levantamento dos fatos reais foram colhidas no artigo do nosso confrade no Instituto Histórico e Geográfico do DF – Dr. Jarbas da Silva Marques – O Sonho de Dom Bosco (Revista do IHGDF, nº 3, BSB, 2000), que por sua vez bebeu muitos dados no livro de outro confrade do IHGDF – Dr. Lourenço Fernando Tamanini – intitulado: Brasília – Memória da Construção.

Neste centenário do nascimento de Juscelino Kubitschek é bom recordar que a provocação para a mudança da Capital da República ao futuro Presidente surgiu no seu primeiro comício de campanha na cidade de Jataí no Estado de Goiás no dia quatro de abril de 1955 pelo popular Antônio Soares Neto – o Toniquinho – que forçou o candidato a prometer que se eleito “cumpriria a Constituição e transferiria a capital pra o Planalto”.

Logo após tomar posse, Juscelino enviou ao Congresso a Mensagem de Anápolis, criando a NOVACAP e iniciando o processo de construção de Brasília. Os políticos de Goiás, contudo, mineiramente, começaram a se agitar, pois apesar de que no projeto de lei que criava a NOVACAP definia o planalto central de Goiás como o local da nova capital, temiam o poder de fogo da bancada mineira no Congresso. Os mineiros tinham o intuito secreto de tentar aprovar uma emenda, mandando construir Brasília em Minas Gerais, às margens do rio Paranaíba, na região da cidade de Tupaciguara, como sempre quisera Israel Pinheiro, o todo poderoso capo da NOVACAP.

Os políticos goianos montaram então uma pequena operação de guerra ao saberem que Juscelino e Israel Pinheiro iriam à maior Exposição de Gado Zebu do mundo na cidade Uberaba, não só para o evento como também para se reunirem com os prefeitos e políticos do Triângulo Mineiro.

Uberaba possuía naquele tempo somente um jornal – Lavoura e Comércio – e uma única emissora de rádio. Ambos pertenciam ao jornalista Quintiliano Jardim, amigo de longa data de Juca Ludovico, governador de Goiás. O governador entrou em contato com Quintiliano e “comprou” todo o espaço do jornal e o tempo da emissora de rádio para o dia três de maio de 1956, data estratégica, pois Juscelino passaria todo o dia na cidade. Os goianos assim possuíam o monopólio dos meios de comunicação no teatro de operações, pelo menos por um dia.

O governador Ludovico encarregou o primeiro prefeito de Goiânia - Venerando de Freitas Borges – de uma curiosa e delicada missão, como se verá adiante. Venerando foi incorporado à comitiva do governador e chegaram todos no dia três pela manhã à cidade Triangulina.

Em Uberaba, enquanto Juscelino hospedou-se na casa do alcaide, por sinal chamado de João Prefeito, Israel acomodou-se no Grande Hotel.

Venerando Borges dirigiu-se, então, ao Grande Hotel e aguardou no hall de entrada que Israel aparecesse. Portava consigo uma munição escolhida a dedo pela elite goiana: um livro, cujo título era: A Nova Capital do Brasil – Estudos e Conclusões. O governador Ludovico requisitara, algum tempo antes, que diversas personalidades brasileiras, nos mais diversos setores de atividade, se pronunciassem favoráveis à localização da futura capital no Planalto Central goiano e que tudo fosse editado nesse livro. O encarregado de reunir e copilar todo esse material num livro foi Segismundo de Araújo Mello que se lembrou de incluir, no início da coletânea, o sonho visão de D. Bosco.

A elite política goiana tinha pleno conhecimento que o católico Israel Pinheiro tinha uma particular devoção por D. Bosco. Tanto assim que alguns meses mais tarde, determinou que a primeira edificação de Brasília fosse uma capelinha – chamada de Ermida – dedicada ao referido santo. Os goianos em Uberaba tinham a plena certeza de que se Israel viesse a saber que D. Bosco antevira o surgimento de Brasília no Planalto Goiano e não na sua querida Minas Gerais, deixaria de lado sua teimosia contumaz e passaria a apoiar a pretensão goiana. O busilis da questão era: como fazer chegar “naturalmente” às mãos de Israel o providencial livrinho sem parecer que fosse dirigido intencionalmente pela elite goiana.

Venerando agiu como uma raposa mineira. Quando Israel adentrou no recinto do hotel, entrou com ele no elevador, como se fosse um outro hóspede qualquer, segurando o livrinho junto ao peito de modo que Israel pudesse ler o título: A Nova Capital do Brasil. Quando Israel viu o livro automaticamente não se conteve: “Ô moço, você podia me emprestar esse livro?” O bote maquiavélico e ansiosamente preparando tinha o seu desfecho: “Dr. Israel, eu tenho outro exemplar, pode ficar com esse”. O projeto goiano alcançava pleno êxito, selando assim a rendição do último baluarte da resistência. Os goianos podiam dormir agora mais tranqüilos e voltar para casa. Alea jacta est.

III – A Montagem do Mito do Sonho de D. Bosco

O primeiro a mencionar o sonho de D. Bosco no Brasil foi o escritor Monteiro Lobato no Diário de São Paulo em 1935. No seu artigo intitulado Até os santos afirmam que há petróleo no Brasil citava o sonho de D. Bosco no tocante ‘a existência de petróleo no Planalto Central, pois defendia ardorosamente a existência do ouro negro no pantanal mato-grossense.

Quando Segismundo de Mello começou a preparar o livro que foi “inocentemente” doado a Israel Pinheiro, lembrou-se de procurar Alfredo Nasser, um político goiano que utilizara num de seus escritos o sonho de D. Bosco como reforço de argumentação. O ex-senador Nasser não se recordava mais do artigo e muito menos da fonte. Segismundo buscou auxílio no seu cunhado Germano Roriz, grande amigo dos salesianos, que o colocou em contato com o padre da mesma ordem Cleto Caliman. Obteve deste uma cópia em italiano, com a respectiva tradução, da passagem que falava sobre o sonho.

Ao ler a tradução, Segismundo ficou desapontado. O texto, que teria alguma referência com a nova Capital, rezava simplesmente o seguinte: “Entre os graus 15 e 20, aí havia uma enseada bastante extensa e bastante larga, que partia de um ponto onde se formava um lago. Nesse momento disse uma voz repetidamente: Quando vierem a escavar as minas escondidas em meio a estes montes, aparecerá aqui a terra prometida, onde correrá leite e mel. Será uma riqueza inconcebível”.

Pe. Cleto contou, vários anos depois em depoimento a Lourenço Tamanini, que Segismundo, depois de ler o texto, teria lhe sondado matreiramente: “Pe. Cleto, aqui não está bem sintetizado o problema da futura capital. D. Bosco se refere a riquezas incalculáveis e à formação de um lago. O senhor não poderia dar um jeito para que a visão tivesse mais um sentido de cidade, de civilização?”

O sacerdote respondeu que talvez se pudesse fazer alguma coisa, mas as conseqüências correriam por conta e risco de Segismundo.

Qual foi então a diabrura de Segismundo? O texto do sonho seria reproduzido ipsis literis no corpo do livro a fim de resistir a qualquer confronto posterior, mas haveria um foto de D. Bosco e na legenda se diria então algo mais. Quando se abre o livro hoje, depara-se com a foto de D. Bosco com o seguinte texto goiano à la carte: “São João Bosco, profetizou uma civilização, no interior do Brasil, de impressionar o mundo, à altura do paralelo 15º, onde se localizará a nova Capital Federal”.

Essa expressão – uma civilização de impressionar o mundo – nunca foi dita nem escrita pelo santo, tornando-se assim a visão oficial e com o tempo, mitológica, do sonho. O primeiro a morder a isca foi Israel Pinheiro e depois dele, todos nós.

Parabéns à elite política goiana que, pelas mãos de Segismundo, driblou os mineiros, levando a nova Capital para o Planalto Goiano e, ao mesmo tempo, criou um dos maiores mitos no imaginário brasiliense e porquê não dizer brasileiro?

Por: William Almeida de Carvalho, 04/2010 – Presidente da Academia Maçônica de Letras do Distrito Federal.

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